O emprego, descarado e imoral, de parentes de magistrados em cargos em comissão com polpudas remunerações (e minguadíssimo trabalho), ou mesmo a escandalosa contratação de empresas dirigidas pela "família judiciária" para prestar serviços ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul não são mera casualidade, nem a face exclusiva da apropriação das finanças, benesses e do poder decisório do Estado por verdadeiras castas privilegiadas. Mas tão-somente o aspecto mais visível de todo um esquema articulado com as classes dominantes locais, nacionais e os próprio imperialismo econômico internacional. E servem a interesses muitos mais excusos e profundos do que o simples privilégio e comodidade de seus beneficiário imediatos.
Embora só nas últimas semanas o nosso empenho investigativo venha revelando, a cada dia, cada vez mais detalhes cabeludos e espantosos de toda ilustre maracatuia oficial escondida sob os tênues véus do autoritarismo truculento e militarista da administração do Poder, já conhecíamos o suficiente, por ocasião da elaboração da tese do movimento IndignAÇÃO apresentada no III Conseju (5-7/9/2008), para escrever o trecho referente ao tema, que reproduzo abaixo:
"Como os trabalhadores do país e do mundo, sofremos as conseqüências de opressões bem típicas do capitalismo, que se aprofundam e sofisticam, nas últimas décadas, com o avanço de um modelo cada vez mais exploratório e autoritário, de tonalidade tipicamente feudal e fascista.
Nossa vida como “peões” do Judiciário é perpassada, quotidianamente, por carências e violentações típicas de qualquer chão de fábrica, desde a corrida eterna pela recuperação do poder aquisitivo remuneratório (que jamais é contemplada na integralidade da desvalorização inflacionária, e se aprofunda pela falta, sequer, de cumprimento de uma política de reposição garantida nas próprias normas constitucionais) ao exercício de uma atividade alienante e desumana, em que o assédio moral é a forma mais desmoralizadora e preferida da gestão de pessoal do Poder.
A dominação interna e a conjuntura de retrocesso político e social autoritário: mas, se comungamos, com a massa operária, o sofrimento decorrente da submissão à opressão da classe dominante mundial e seus gerentões nacionais, isto não significa que ele resulte exclusivamente da servidão ao patrão global. No próprio jogo da instituição estatal em que trabalhamos, temos a existência de duas subclasses bem distintas: o patriciado auxiliar da burguesia, representado pela magistratura, e os servidores proletarizados, que disputam o mesmo bolo orçamentário na definição de seus salários e na nomeação de pessoal necessário aos serviços do Poder.
Assim, não é casual que soframos uma pesada perda salarial de 66,74%, enquanto juízes e desembargadores já têm garantido, para o próximo ano, um gordo aumento “real” de vencimentos, que chega a até 70% em termos nominais. Nem que os gabinetes de magistrados contem com o assessoramento de verdadeiros cartórios, enquanto, padecemos violentamente com a sobrecarga de trabalho resultante da falta de nomeação de mais de 1800 servidores.
A magistratura constitui, dentro do poder judiciário, uma verdadeira nobreza feudal privilegiada, que detém o poder de manipular os recursos materiais e financeiros disponíveis para sua exclusiva comodidade, em detrimento de trabalhadores do poder e do atendimento efetivo à população. E o seu domínio, sustentado no terrorismo administrativo e na cultura de subserviência e zeloso “respeito” à hierarquia verticalizada, é o primeiro fator determinante das nossas desgraças.
Tal fato não é, entretanto, exclusividade do Poder Judiciário, nem do patriciado que dirige os três poderes do Estado do Rio Grande do Sul. Mas é a característica de uma verdadeira nobreza provinciana que exerce o poder regional, desde os primórdios de nossa formação colonial, e que envolve desde os mais diversos níveis e escaninhos do aparato público – como chefes policiais, militares, parlamentares, dirigentes do poder executivo e empresários e profissionais de alta classe média – num verdadeiro conglomerado de castas (bem restritas e identificadas a determinadas famílias “de bem”, no caso da Justiça), num esquema de favor e mútua proteção indevassável, que ultrapassa a própria dominação capitalista comum e reverte em seu favor todos os recursos do erário e do poder público, se sobrepondo ao conjunto da sociedade gaúcha.
E é o segmento mais reacionário e voraz desta “aristocracia” que se assanha velozmente, e de forma mais eficaz, no desmonte total das últimas características sociais e democráticas do serviço público, para servir às necessidades de expansão do capital internacional e à própria sanha.
Não é casual, nem eventual, mas a infeliz combinação do atual momento e da distorção histórica das nossas instituições locais, o avanço sobre os servidores para retirar direitos mínimos (além dos que jamais foram garantidos), visando à transformação do judiciário em verdadeiros feudos privativos dos privilegiados enquistados nele.
É a esta lógica que servem proposições nitidamente antidemocráticas, fascistas e próximas à barbárie, como o projeto que restringe a liberação de dirigentes sindicais e classistas a um por entidade (a extinção na prática do Sindjus e das associações de servidores), o plano de carreira que embute a extinção dos cargos de chefia concursados (escrivães e oficiais-ajudantes) e sua substituição por funções gratificadas, totalmente submissas aos juízes, sem qualquer estabilidade na função, nem a independência necessária decorrente da nomeação por concurso; assim como a adoção da avaliação do “desempenho” para demitir servidores estáveis e permitir o enxugamento de quadros, de forma a garantir maior fatia do quinhão orçamentário para os privilegiados membros da “nobreza” interna."
Se o leitor achou o texto muito acadêmico e abstrato, nos aguarde, que ele é apenas a introdução do que será esmiuçado mais adiante. Por enquanto divirtam-se com as últimas do caso Arself, o bloiqueio do domínio canalblog mnão apenas na rede do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, mas em toda internet do Brasil, ocorrido entre o final da noite passada e esta manhã, e o poema recreativo que vai ao ar no sábado.
Ubirajara Passos