João Velhaco
Não tenho a menor idéia do porquê, mas o fato é que, desde os tempos de guria da minha avó, rezava a tradição popular que "quarta-feira é dia de namorar". Aliás, remonta já aos tempos da vovozinha a existência, considerável estatisticamente, de um personagem, hoje, cada vez mais raro e menos valorizado (em tempos de "foda" livre e nenhuma liberdade de expressão): a solteirona.
E é para que alguma eventual representante desta espécie, tomada de tédio infinito, possa se divertir um pouco ao terminar esta tarde - quando seus instintos gritam furibundos por vingança contra todos os enamorados que possuem uma felicidade mágica a ela negada - que eu, que há pouco me escapei de permanecer um solteirão, resolvi publicar algo menos árido e agressivo do que as discussões que passam costumeiramente por este "obsceno" blog.
Resolvi, portanto, postar um poema. Mas não um reles poema açucarado, lírico e choroso. Algo que entretenha sim, mas que seja também instrutivo e edificante. E, como eu e a Simone estivemos, ontem, em visita à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa gaúcha, me lembrei de um velho personagem em cuja homenagem eu e o companheiro Valdir Bergmann escrevemos um poema a "quatro patas", que já publiquei, há alguns meses, no "imoral e injurioso" blog Bira e as Safadezas... Aí vai, portanto, o produto burlesco da nossa imaginação... e da pobre realidade política e sindical do nosso Estado. Antes que alguém se sinta injuriado, e queira vestir a carapuça do seu protagonista, vou avisando: no caso do pelego do poema, qualquer semelhança é mera coincidência.
João Velhaco
Dizem uns, foi em Pelotas,
Outros em Arroio Grande -
Lá pelas bandas do sul,
Nasceu há uns bons trint'anos
O bebezinho João!
Joãozinho, lindo moço,
Tão simpático e envolvente,
Rechonchudinha criança
Desde cedo revelou-se
Um primor de rebeldia!
Na festa de formatura,
Orador, do pré-primário,
Encantou toda assistência
Com um discurso veemente:
Cola tenaz (não havia
Ainda a super bonder)
Jogar aos cabelos da "tia"
Era um tremendo protesto
Contra os maus-tratos à infância!
Já jovenzinho, criado
Na escola forense da vida,
De pai Oficial de Justiça,
João, embora panfletário,
Da pompa dos gabinetes
Tanto viu-se fascinado
Que integrou-se ao Judiciário.
Mas ao pai que era o exemplo
Joãozinho não suplantou!
Fez-se apenas escrevente
E, rebelde novamente,
Resolveu ser o momento
De fazer algo medonho:
Tornou-se sindicalista
Pra balançar toda gente!
Greve, passeata, discursos -
Discursos e mais discursos -
João era um temporal!
E da sua boca saia
Não o inconformismo apenas!
Seu palavrório era belo,
Tão lógico, tão perfeito!
João, bonachão gordinho,
Homenzinho sem defeito,
Era a estrela do dia!
Mas, como isso não rendia
Nem um tostão, nem trazia
Fama maior, iracundo,
"Don Juan", gay enrustido,
Na comarca, furibundo,
Frustrou-se e se foi ao mundo.
Como quando piá havia
Na primeira vez levado
Um tarugo na sua bunda,
Nosso caro Don Juanzito,
"Trespassado" de entusiasmo,
Finalmente descobrira
Como ser "alguém",
Sem ser profundo!
Tornou-se mais contudente,
Relinchou, deu coice, fez-se
Tão intenso e Presidente
Já era do sindicato!
No cargo, traiu, roubou,
Praticou todos conchavos
Que a arte da vigarice
Supõe e, sempre irado,
Aos traídos encantou.
Enrustiu, como enrustido,
Veado ele sempre fora!
Até que, em recompensa,
De um bode velho e safado,
Demagogo deputado,
Nos braços foi elevado
Ao gabinete. Assessor,
Hoje a João todos conhecem
E proclamam, com estrondo,
"Um roliço burguês redondo!"
Entre Vila Palmeira e Santa Rosa, 18/19 de setembro de 2004
Ubirajara Passos & Valdir Bergmann
*************************************************************
Nossas reverências ao poeta e político Ramiro Barcelos, cujo poema Antônio Chimango transmitiu o seu espírito, inconscientemente, ao nosso João Velhaco, na época em que o escrevemos.