– Alô! Boa tarde! Gostaria de falar com a juíza... – solicita, entre pilhas invencíveis de processos a cumprir, descontraído trabalhador de um dos poderes da República, o Judiciário, bravo trabalhador entre aqueles menos retribuídos pelo desempenho de suas atividades.
– Como assim só juíza? Não te dei essa intimidade!!! Quem tá falando? Juíza é excelência!!! Mas o que tu qué? – pergunta e esbraveja ao mesmo tempo uma boçal trabalhadora do Poder Judiciário que se preocupa, sobretudo, em garantir a perpetuidade de uma imagem de superioridade que conquistou ao exigir dos outros submissão, mediante ameaças. Na ocasião, a ligação telefônica lhe estorvou diante de mensagens compartilhadas no mensageiro da Microsoft, que funciona a todo o vapor.
Fiquei pensando nos últimos dias sobre o teor de meu discurso entre os incríveis do Grupo 30. Poderia tomar caminhos de um discurso filosófico, mas decidi simplesmente denunciar literariamente a alienação de alguns agentes do Poder Judiciário.
Ao narrar o diálogo abestalhado, pretendo inaugurar debate público sobre fraquezas mentais ou espertezas teatrais já testemunhadas por trabalhadores do Poder Judiciário. Como sabemos, alguns trabalhadores subitamente esquecem a condição humana de fragilidade e finitude, sobretudo entre aqueles que personificam órgãos estatais. Proferem discursos a partir de um púlpito mesclando religiosidade com obsessões por superioridade. Não agem como hierarquicamente responsáveis pelos serviços judiciais prestados, mas como se integrassem uma espécime privilegiada ou raça superior, para usar a terminologia do nacional-socialismo alemão.
Que me perdoem desembargadores, juízes e escrivães de boa índole, inteligentes e sensíveis, mas ao que parece a praga da empáfia corre solta.
Oriunda de um longínquo rincão da província do Rio Grande do Sul, uma guria, futuramente titular do cargo de juíza, vem ao mundo do mesmo modo que outras criaturas de características humanas. Criada à base de polenta e leite, ingressa na escola e depois de muito aperto conclui o ensino médio. É aprovada em vestibular e ingressa no curso de direito. A partir daí a esquizofrenia de superioridade começa a ganhar contornos mais precisos.
A estudante, com dificuldades de escrever e sobretudo de interpretar textos, logo começa a conhecer seu principal defeito, a irritabilidade e a sensação de superioridade, que não se confunde com auto-estima. Julga-se forte, competente e capaz de opinar sobre tudo e todos. Quando algum parente lhe solicita pareceres, sua voz se torna alta e os termos soam rebuscados. Surge até uma que outra expressão em latim durante o discurso. Ninguém entende bem o que ela tenta expressar.
Algum tempo depois, a jovem, de cabelos e cutículas bem cuidados, arrecada um namorado bem posicionado financeiramente, que também pensa “em chegar na frente” ou “vencer na vida”. Ele logo é integrado ao serviço público com remuneração de nobre, situação que viabiliza patrocinar os cursinhos da bela guria especialmente após a graduação.
Concluída a graduação, a garota sofre o impacto de um forte momento de angústia. Reconhece a fragilidade de sua condição. E agora, o que fazer? Não sabendo lidar com angústias e frustrações, logo “incorpora” espírito de representante da lei e de defensora de um Estado que ela mesma não faz idéia de como foi conquistado. Trata as leis como tábuas descidas do céu, infelizmente dispensando o pensamento, atividade constitutiva e distintiva do ente humano. Ela não sabe distinguir Estado de democracia e emperra ao discursar sobre a arquitetura especulativa de uma República.
Ao participar de cursinho na AJURIS aprende que qualquer pessoa provida de capacidade de memória pode “chegar na frente”. Depois de muito esforço, consegue ser aprovada em concurso para juiz. Esse concurso mede muitas coisas, mas não necessariamente o caráter de quem atuará nos julgamentos. Convenhamos, para ser juiz o mais difícil é superar a chatice de sessões doloridas de estudos e desenvolver o palavrório jurídico, tanto oral como escrito. É necessário ainda evitar enfrentamentos durante a vida pregressa. O mérito está aí. Pessoas bem treinadas para dizer o direito.
E agora guria bonita? Você é orgulho da família, mas o que sente acerca do próprio comportamento?
Muitos processos e a corregedoria no encalço, sempre cobrando resultados em escala industrial. Alguns corregedores lembram a formação de uma tropa de choque ao tratar oficiais escreventes como uma raça inferior, formada por criaturas incapazes de alcançar os “sofisticados” pensamentos que somente eles conseguem conceber.
– Se não tá satisfeito, tem fila pra entrá no Judiciário. Vocês tem que se contentá, porque ganham até bem perto de outros no mesmo tipo de emprego – exprime desvairado um jovem corregedor que manifesta o mesmo ranço autoritário de seus avós simpatizantes de militares e de oligarquias tradicionalmente protegidas no Brasil.
Ora, senhor corregedor, não haveria também fila de cidadãos habilitados a ser desembargador, corregedor ou juiz? Não aja precipitadamente por medo de perder seu espaço, não temos interesse nesse lugar por enquanto! Só peço que deixe de asneiras e respeite os interesses e a intelectualidade dos cidadãos!
A conversa fiada do corregedor é um anti-discurso, ofende quem pensa por si mesmo e não se submete a mecanismos de dominação. Seu papo seria mais preciso se dissesse:
– Vocês não tem direito de reivindicar, aceitem a mordaça, calem a boca escreventes nojentos e seus comparsas comunistas!!!
Antes que censurem a linguagem deste ensaio literário, por não ser “culta”, “honorável” ou “honrosa”, incito que assistam sessões do Congresso Nacional e, porque não dizer, do Supremo Tribunal Federal.
O corregedor que pronunciou as asneiras passou ileso e sua conversa produziu efeitos. Trabalhadores de base do Judiciário deixam de reivindicar tratamento digno, melhores salários e planos de carreira diante das ameaças constantes que recebem (processos administrativos, corte do ponto etc.).
No embalo dessa cordeona, torna-se inexplicavelmente urgente e decisiva a extinção do cargo de escrivão, substituído pela livre nomeação de trabalhador “de confiança” do juiz, que por sua vez também deve ser “de confiança” da presidência do Tribunal. Será “melhor” para os Cartórios Judiciais gaúchos, dizem os administradores judiciais no poder. Convenhamos, poderá ser pior aos trabalhadores, aos estudantes interessados em cargos públicos e aos cidadãos usuários. Emergindo o poder de controle perigosamente apenas da vontade do juiz, anuncia-se o crescimento de uma classe de “puxa-sacos” submissos, talvez mesquinhos e descompromissados com o bem-comum.
Resolvi divulgar aqui uma suspeita que até então havia mantido em segredo: a administração judicial central ocupa parte de seu tempo fiscalizando o que alguns trabalhadores escrevem na imprensa e se utilizando de serviços de inteligência para violar a privacidade de emails. Um administrativo aqui e outro lá, por crime de opinião, e segue o baile no tom autoritário. Não é absurdo anunciar que neste início de século observamos o crescimento vigoroso de um regime autoritário das cúpulas do Judiciário sobre os trabalhadores cartorários que constituem e sustentam as atividades desenvolvidas por esse poder da República.
É justo dizer que nem todos os desembargadores, juízes e escrivães agem autoritariamente em desobediência aos princípios republicanos (liberdade de expressão, igualdade de condições, humanidade, laicidade, direito de resistência à opressão, dignidade etc). Seja o que for, urge estimular, no caso do Rio Grande do Sul, a conquista de novos espaços para a difusão de uma perspectiva de mundo e de justiça mais civilizada e igualitária, o que implica eleger uma nova presidência para o Tribunal de Justiça, que se ocupe mais em efetivar propósitos de acesso popular aos direitos individuais e coletivos do que em achincalhar trabalhadores.
A “excelência”, que também pode ser chamada pelos íntimos de doutora, em que pese não possuir esse título, sempre que pode se põe na ponta dos cascos ante um trabalhador comum. Ela ainda se julga imortal. Diante do coice que levou, o trabalhador solenemente ousa responder, soando irônica sua humildade:
– Excelência, perdoe esse pobre criado; não sabia que era tão importante para a Excelentíssima Senhora Doutora ser chamada dessa forma. Conceda o direito de falar a esse humilde súdito!
A juíza lá dos rincões já não é mais a menina serena e simpática da mocidade. Agora é, antes de tudo, juíza, julga-se confirmada pelos deuses para essa atividade, tal como uma profeta bíblica. É uma pessoa que “deu certo na pista de corrida da vida”. Agora escreve expressões em latim, como padres durante a Idade Medieval, talvez para não se fazer entender.
Que vidinha medíocre essa de “assediadora moral”! O cargo que conquistou mediante concurso, de órgão do Estado, é agarrado com unhas e dentes com pouco juízo, sem equilíbrio, sem sensatez.
Resta-nos a atividade de classificar o infame: a juíza do conto literário ou é deficiente mental (esquizofrênica) ou é muito confusa (em outras palavras, confunde esse cargo republicano com uma benção divina incorporada). A última hipótese é que seja corrupta, isto é, que se aproprie do espaço público para alavancar interesses privados, bem ao tom do ditado popular: “faz-se de leitão vesgo para mamar em duas tetas”.
O Grupo 30 luta pelo aprimoramento republicano do Poder Judiciário, para que se torne cada vez mais célere e eficiente na prestação de serviços jurídicos, o que implica contratar mais servidores, com garantia de dignidade em trabalho e aumento de sua remuneração.
À luta trabalhadores cidadãos da República e artífices desta nação! RESPEITO e LIBERDADE DE EXPRESSÃO!!!
Tiago Jacob